Este artigo é parte de
um livro pouco conhecido chamado “Political Profiles” onde Trotsky traça os
perfis dos principais dirigentes da II e III Internacionais.
Sofremos duas derrotas pesadas de uma só vez, que
se fundem em um luto enorme.Dois líderes de nossas fileiras foram derrubados,
cujos nomes serão para sempre inscritos no grande livro da revolução
proletária: Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Eles pereceram. Eles foram
assassinados.Eles já não estão entre nós!
O nome de Karl Liebknecht, embora já
conhecido, imediatamente ganhou importância em todo o mundo desde os primeiros
meses da horrível carnificina europeia.Ele soou como o nome da honra
revolucionária, como uma promessa da vitória por vir.Naquelas primeiras
semanas, quando o militarismo alemão celebrou sua primeira orgia e festejou
seus primeiros triunfos demoníacos; nessas semanas, quando as forças alemãs
invadiram a Bélgica arrasando os fortes belgas como casas de papelão; quando o
canhão 420 milímetros alemão parecia ameaçar escravizar e dobrar todos os povos
daEuropa perante Wilhelm; naqueles dias e semanas, quando os chefes alemães da
social-democracia chefiada por Scheidemann e Ebert seu joelho dobraram seus
patrióticos joelhos perante o militarismo alemão para o qual tudo, pelo menos
ao que parecia, iria submeter-se - tanto o mundo exterior (Bélgica e o norte da
França ocupados pelos alemães) e o mundo doméstico (não só o aristocrata
alemão, não só a burguesia alemã, não só o chauvinista de classe média, mas
também o partido oficialmente reconhecido da classe operária alemã); naqueles
dias negros, terríveis e obscenos irrompeu na Alemanha uma voz rebelde de
protesto, de raiva e imprecação; esta era a voz de Karl Liebknecht.E ressoou
por todo o mundo!
Na verdade, porém, mesmo então ele não estava
sozinho, pois se postou ao lado dele desde o primeiro dia da guerra, a
corajosa, firme e heróica Rosa Luxemburgo.A ilegalidade do parlamentarismo
burguês alemão não lhe deu a possibilidade de lançar seu protesto da tribuna do
Parlamento, como Liebknecht fez e, assim, ela foi menos ouvida.Mas sua parte no
despertar dos melhores elementos da classe operária alemã de nenhuma maneira
foi menor do que a de seu companheiro na luta e na morte, Karl Liebknecht.Estes
dois lutadores de naturezas tão diferentes e ao mesmo tempo tão próximos
complementavam-se, marchando inflexíveis em direção a um objetivo comum,
encontraram a morte juntos e entraram para a história lado a lado.
Karl Liebknecht representava a personificação
genuína e acabada de um revolucionário intransigente.Nos últimos dias e meses
de sua vida foram criadas em torno dele inúmeras lendas: algumas sem sentido e
prejudiciais na imprensa burguesa, outras heróicas nos lábios das massas
trabalhadoras.
Em sua vida privada Karl Liebknecht foi, na
verdade, apenas o símbolo de simplicidade, bondade e fraternidade.Eu o
encontrei pela primeira vez há mais de 15 anos.Ele era um homem charmoso,
atencioso e simpático.Pode-se dizer que uma ternura quase feminina, no melhor
sentido desta palavra, era típica do seu caráter.E lado a lado com esta ternura
feminina foi distinguido pelo coração excepcional de uma vontade revolucionária
capaz de lutar até a última gota de sangue em nome do que ele considerava ser
certo e verdadeiro.Sua independência espiritual apareceu já em sua juventude,
quando ele aventurou-se mais de uma vez para defender sua opinião contra a
autoridade incontestável de Bebel.Seu trabalho entre os jovens e sua luta
contra a máquina militar dos Hohenzollern foi marcado por uma grande
coragem.Finalmente ele descobriu sua capacidade plena, quando levantou sua voz
contra a cerrada burguesia belicista e a social-democracia traiçoeira no
Reichstag alemão, onde toda a atmosfera estava saturada de miasmas de chauvinismo.Ele
descobriu a medida plena de sua personalidade como soldado quando levantou a
bandeira da insurreição aberta contra a burguesia e seu militarismo na Praça
Potsdam de Berlim.Liebknecht foi preso.
Prisão e trabalhos forçados não quebraram seu
espírito.Ele esperou em sua cela e previu com certeza.Libertado pela revolução
de novembro de 1918, Liebknecht mais uma vez estava à frente dos melhores e
mais determinada elementos da classe operária alemã. Espártaco entrou para as
fileiras do Espartaquistas e pereceu com sua bandeira em suas mãos.
O nome de Rosa Luxemburgo é menos conhecido em
outros países do que o é para nós, na Rússia.Mas pode-se dizer com toda a
certeza que ela não era, de modo algum, uma figura menor do que Karl
Liebknecht.Baixa, frágil, doente, com
um traço de nobreza em seu rosto, olhos lindos e uma mente brilhante, ela
atingiu a todos com a bravura de seu pensamento. Ela dominava o método marxista
como os órgãos de seu corpo.Pode-se dizer que o marxismo corria em sua corrente
sanguínea.
Eu disse que esses dois líderes, tão
diferentes em sua natureza, complementavam-se. Gostaria de enfatizar e explicar
isso.Se a intransigência revolucionária de Liebknecht foi caracterizada por uma
ternura feminina nos seus caminhos pessoais, então esta mulher frágil foi
caracterizada por uma força masculina do pensamento. Ferdinand Lassalle, uma
vez falou da força física do pensamento, do poder de comando de sua tensão
quando ele aparentemente supera obstáculos materiais em seu caminho. Esta era a
impressão exata ao conversar com Rosa, ao ler seus artigos ou ao ouvi-la quando
ela falava da tribuna contra seus inimigos.E ela tinha muitos inimigos!Eu me
lembro como, em um congresso em Jena, se não me engano, com a voz alta, afiada
como um fio, cortava os protestos selvagens de oportunistas da Baviera, Baden e
outros lugares.Como a odiavam!E como ela os desprezava! De porte pequeno e
frágil, ela agigantou-se no palco do congresso como a personificação da
revolução proletária.Pela força de sua lógica e o poder de seu sarcasmo, ela
silenciou seus adversários mais declarados.Rosa sabia como odiar os inimigos do
proletariado e por isso ela sabia como despertar seu ódio por ela.Ela havia
sido identificada por eles desde o início.
Desde o primeiro dia, ou melhor, desde a
primeira hora da guerra, Rosa Luxemburgo lançou uma campanha contra o
chauvinismo, contra a lascívia patriota, contra as vacilações de Kautsky e
Haase e contra a falta de firmeza dos centristas, pela independência
revolucionária do proletariado; pelointernacionalismo e pela revolução
proletária.
Sim, eles complementavam um ao outro!
Pela força do poder de seu pensamento teórico
e sua capacidade de generalizar Rosa Luxemburgo estava acima não apenas seus oponentes,
mas também de seus companheiros.Ela era uma mulher de gênio.Seu estilo, tenso,
preciso, brilhante e impiedoso, permanecerá para sempre um espelho verdadeiro
de seu pensamento.
Liebknecht não era um teórico.Ele era um homem
de ação direta.Impulsivo e apaixonado pela natureza, ele possuía uma intuição
política excepcional, uma fina consciência das massas e da situação e,
finalmente, uma coragem inigualável de iniciativa revolucionária.
Uma análise da situação interna e
internacional em que a Alemanha se viu após 09 de novembro de 1918, bem como um
prognóstico revolucionário podia e devia ser esperada, em primeiro lugar, de
Rosa Luxemburgo.A convocação para a ação imediata e, em um dado momento, a
insurreição armada muito provavelmente vieram de Liebknecht.Eles, estes dois
lutadores, não poderiam ter complementado melhor um ao outro.
Mal Luxemburgo e Liebknecht deixaram a prisão
quando, lado a lado, este incansável revolucionário e esta intransigente revolucionária
juntaram-se à frente dos melhores elementos da classe operária alemã para
enfrentar as novas batalhas e provações darevolução proletária.E nos primeiros
passos ao longo desta estrada um golpe traiçoeiro atingiu-os no mesmo dia.
A reação não poderia ter escolhido vítimas
mais ilustres para se firmar. Que golpe certeiro! E pequeno espanto!Reação
e revolução conheciam-se bem, pois neste caso a reação estava personificada na
forma dos antigos dirigentes do antigo partido da classe operária, Scheidemann
e Ebert cujos nomes serão para sempre inscritos no livro negro da história como
os nomes vergonhososde principais organizadores deste assassinato traiçoeiro.
É verdade que recebemos o relatório oficial
alemão que retrata o assassinato de Liebknecht e Rosa Luxemburgo como um
"mal-entendido" de rua ocasionado possivelmente por uma vigilância
insuficiente frente a uma multidão frenética.
Uma investigação judicial foi organizada para
esse fim.Mas você e eu sabemos muito bem como a reação se porta em relação a
este tipo de indignação espontânea contra líderes revolucionários. Lembramo-nos
muito bem dos dias de julho que vivemos entre os muros de Petrogrado, lembramos
muito bem de como as Centúrias Negras, convocadas por Kerensky eTsereteli para
a luta contra os bolcheviques, sistematicamente aterrorizavam os trabalhadores,
massacravam seus líderes e atacavam os trabalhadores nas ruas.O nome do
trabalhador Voinov, morto no decurso de um "mal entendido" será
lembrado pela maioria de vocês.Se nós salvamos Lênin naquele tempo, foi só
porque ele não caiu nas mãos das frenéticas Centúrias Negras.Naquela época
havia pessoas bem-intencionadas entre os mencheviques e os
social-revolucionários que estavam perturbados pelo fato de que Lênin e
Zinoviev, que foram acusados de serem espiões alemães, não apareceram no
tribunal para refutar as calúnias.Eles foram particularmente responsabilizados
por isto.Mas a qual tribunal? Àquele tribunal ao
longo da estrada pela qual Lênin seria obrigado a "fugir", como foi
Liebknecht, e se Lênin fosse baleado ou esfaqueado, o relatório oficial de
Kerensky e Tsereteli afirmaria que o líder dos bolcheviques foi morto pela
guarda, enquantotentava escapar.Não, após a experiência terrível de Berlim,
temos dez vezes mais razões para estar satisfeito que Lênin não se apresentasse
para o falso julgamento e ainda mais para a violência sem julgamento.
Mas Rosa e Karl não se esconderam. A mão do inimigo agarrou-os com firmeza.E essa mão segurou-os
firmemente. Que golpe!Que tristeza!E que traição!Os melhores líderes do
Partido Comunista Alemão - nossos grandes companheiros - não estão mais entre
os vivos. E seus assassinos postam-se sob a bandeira do partido
Social-Democrata que tem a desfaçatez de reclamar seu direito de nascença de
ninguém menos que Karl Marx!Que perversão! Que escárnio! Apenas pensem, camaradas, que o "marxista"
partido social-democrata alemão, líder da classe operária desde os primeiros
dias da guerra, que apoiou o desenfreado militarismo alemão nos dias da invasão
da Bélgica e do norte da França; aquele mesmo partido que entregou a
Revolução de Outubro ao militarismo alemão durante a paz de Brest, é o partido
cujos líderes, Scheidemann e Ebert, agora organizam centúrias negras para
assassinar os heróis da Internacional, Karl Liebknecht eRosa Luxemburgo!
Que perversão histórica monstruosa!Olhando
através dos tempos você pode encontrar certo paralelo com o destino histórico
do cristianismo.O ensinamento evangélico dos escravos, pescadores,
trabalhadores, dos oprimidos e de todos aqueles esmagados pela sociedade
escravagista, esta doutrina dos pobres que surgiu historicamente foi então
aproveitada pelos donos da riqueza, os reis, aristocratas, arcebispos,
usurários,patriarcas, os
banqueiros e o Papa de Roma, e tornou-se uma cobertura para seus crimes. Não,
não há dúvida, no entanto, de que entre o ensino do cristianismo primitivo, da
forma que surgiu na consciência dos plebeus, e o catolicismo oficial ou
ortodoxo, não existe o abismo que há entre a doutrina de Marx, que é a essência
do pensamento e vontade revolucionários e as desprezíveis sobras de idéias
burguesas das quais os Scheidemann e Eberts de todos os países vivem e
vendem.Por intermédio dos líderes da social-democracia a burguesia fez uma
tentativa de saquear os bens espirituais do proletariado e de encobrir seu
banditismo com a bandeira do marxismo.Mas se deve esperar, camaradas, que este
crime imundo seja o último a ser cobrado dos Scheidemann e dos Eberts.O
proletariado da Alemanha sofreu um grande golpe pelas mãos daqueles que foram
colocadas à sua frente, mas esse fato não passará despercebido.O sangue de Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburgo clama.Esse sangue forçará as calçadas de Berlim e
as pedras da mesma Praça Potsdam na qual Liebknecht levantou a bandeira da insurreição
contra a guerra e o capital a falarem.E um dia, mais cedo ou mais tarde, serão
erguidas barricadas com as pedras das ruas de Berlim contra os servis
funcionários e cães de guarda da burguesia, contra os Scheidemann e os Eberts!
Em Berlim, os açougueiros esmagaram o
movimento espartaquista: os comunistas alemães. Eles mataram os dois melhores
inspiradores deste movimento e hoje estão talvez comemorando uma vitória.Mas
não há vitória real aqui, porque não houve ainda um combate aberto e completo;
lá ainda não houve um levante do proletariado alemão pela conquista do poder
político.Houve apenas um poderoso reconhecimento, uma missão de inteligência
profunda sobre a disposição do campo inimigo. O reconhecimento precede o conflito, mas ainda não é o próprio
conflito.Esta minuciosa aferição foi necessária para o proletariado alemão como
foi necessário para nós nos dias de Julho.
A desgraça é que dois dos melhores comandantes
caíram na expedição de reconhecimento. Esta é uma perda cruel, mas não é uma
derrota.A batalha ainda está à frente.
O significado do que está acontecendo na
Alemanha será mais bem compreendido se olharmos para trás em nossa própria
história. Todos se lembram do curso dos acontecimentos e sua lógica
interna.No final de fevereiro, as massas populares destruíram o trono
czarista.Nas primeiras semanas a sensação era como se a principal tarefa já
tivesse sido realizada.Novos líderes dos partidos da oposição que nunca tinham
exercido o poder aproveitaram-se do início da relação ou “meia-relação” de
confiança das massas populares.Mas essa confiança logo começou a
desaparecer.Petrogrado viu-se na cabeça da segunda etapa da revolução como,
aliás, tinha que ser.Em julho, como em fevereiro, foi a vanguarda da revolução,
que tinha ido muito mais longe.Mas esta vanguarda que convocou as massas
populares para a luta aberta contra a burguesia e os conciliadores pagou um
preço pesado pelo profundo reconhecimento de terreno realizado.
Nas Jornadas de Julho, a vanguarda de
Petrogrado rompeu com o governo de Kerensky.Esta ainda não era uma insurreição
como a realizada em outubro.Esta foi um choque de vanguarda, cujo sentido
histórico as grandes massas nas províncias ainda não avaliavam. Nesta colisão
os operários de Petrogrado revelaram antes as massas populares não só da
Rússia, mas de todos os países que, por trás de Kerensky não havia exército
independente, e que as forças que se situavam atrás dele eram as forças da
burguesia, o guarda branco, o contrarrevolucionário.
Então, em julho, nós sofremos uma derrota.O
camarada Lênin teve de se esconder.Alguns de nós caímos na prisão.Nossos
jornais foram banidos.O Soviete de Petrogrado foi reprimido. As gráficas do partido e
dos Sovietes foram destruídas, em todos os lugares as Centúrias Negras reinavam.Em
outras palavras, ocorreu o mesmo do que acontece agora nas ruas de Berlim.No
entanto nenhum dos genuínos revolucionários tinha naquela época qualquer sombra
de dúvida de que os dias de julho foram apenas o prelúdio para o nosso triunfo.
Uma situação similar também se desenvolveu nos
últimos dias na Alemanha. Da mesma forma que Petrogrado, Berlim saiu à frente
do resto das massas; da mesma forma que nós, todos os inimigos do proletariado
alemão uivavam: "não podemos ficar sob a ditadura de Berlim”; A Berlim
espartaquista está isolada, é preciso chamar umaAssembléia Constituinte e
movê-la da Berlim vermelha - depravada pela propaganda de Karl Liebknecht e
Rosa Luxemburgo - para uma cidade mais saudável na Alemanha. "Tudo o que
nossos inimigos fizeram para nós, toda a agitação que todos os
mal-intencionados e as calúnias vis que ouvimos aqui, tudo isso foi traduzido para o alemão e se espalhou pela
Alemanha afora e dirigido contra o proletariado de Berlim e os seus dirigentes,
Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Com certeza a missão de inteligência contra o proletariado de
Berlim desenvolveu-se de forma mais ampla e profunda do que conosco em julho, e
por isso as vítimas e as perdas são mais consideráveis.Mas isto pode ser
explicado pelo fato de que os alemães estavam fazendo a história que nós já
tínhamos feito; seus aparatos burgueses e militares tinham absorvido a nossa
experiência de julho e outubro.E o mais importante, as relações de classe por
lá são incomparavelmente mais definidas do que aqui; as classes possuidoras
incomparavelmente mais sólidas, mais espertas, mais ativas e, portanto, também
mais impiedosas.
Camaradas, aqui não se passaram quatro meses
entre a revolução de Fevereiro e os dias de Julho; o proletariado de Petrogrado
precisava de um quarto de ano, a fim de sentir a necessidade irresistível de
sair às ruas para balançarem as colunas sobre as quais o templo do Estado de
Kerensky e Tsereteli repousava.Após a derrota dos dias de julho, mais uma vez
quatro meses se passaram durante os quais o batalhão pesado de reserva das
províncias alinharam-se com Petrogrado e conseguimos, com a certeza da vitória,
declarar uma ofensiva direta contra os bastiões da propriedade privada em
outubro1917.
Na Alemanha, onde a primeira revolução que
derrubou a monarquia ocorreu apenas no início de novembro, os nossos dias de
julho já estão a ter lugar no início de janeiro.Isso não significa que o
proletariado alemão está vivendo sua revolução de acordo com um calendário
encurtado? Onde precisávamos de quatro meses ele precisa de dois.E
esperemos que este cronograma seja mantido.Talvez entre os “dias de julho”
alemão e o outubro alemão não passem quatro meses como aconteceu conosco, mas
possivelmente menos de dois meses serão suficientes ou até menos.Mas, qualquer
que seja o desenvolvimento, uma só coisa é indiscutível: os tiros que acertaram
as costas de Karl Liebknecht ressoaram com um poderoso eco em toda a Alemanha.E
esse eco tocou uma nota de funeral nos ouvidos dos Scheidemann e dos Eberts,
tanto na Alemanha como em outros lugares.
Até então entoamos um réquiem para Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburgo.Os dirigentes estão mortos.Nunca mais os veremos
vivos.Mas, camaradas, quantos de vocês viram-nos vivos em algum momento?Uma
pequena minoria.E ainda assim durante estes últimos meses e anos Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburgo têm vivido constantemente entre nós.Em reuniões e
em congressos vocês elegem Karl Liebknecht presidente honorário.Ele não esteve
aqui - ele não conseguiu chegar à Rússia - e mesmo assim ele estava presente em
nosso meio, ele sentou-se à nossa mesa como convidado de honra, como nossos
parentes e amigos e seu nome tornou-se maisdo que apenas o nome de um homem em
particular, tornou-se para nós a designação de tudo o que é melhor, corajoso e
nobre na classe trabalhadora.Quando qualquer um de nós tem de imaginar um homem
abnegadamente dedicado aos oprimidos, temperado da cabeça aos pés, um homem que
nunca baixou a bandeira diante do inimigo, nós pensamos em Karl Liebknecht.Ele
entrou na consciência e na memória dos povos como o heroísmo em ação.No campo
histérico de nossos inimigos, quando o militarismo triunfante tinha pisado e
esmagado tudo, quando todos cujo dever era protestar ficaram em silêncio,
quando parecia não haver mais um espaço para respirar, ele, Karl Liebknecht,
levantou sua voz de lutador.Ele disse:"Você, tiranos no poder,
militares açougueiros, saqueadores, vocês, lacaios bajuladores, conciliadores,
vocês que atropelam a Bélgica, que aterrorizam a França, que pretendem esmagar
o mundo inteiro e pensam que não podem ser chamados à justiça, mas eudeclaro a
vocês: “nós, os poucos, não temos medo de vocês, estamos declarando guerra a
vocês e quando as massas despertarem vamos levar esta guerra até ao fim".
Aqui está aquela determinação, aqui está aquele heroísmo de açãoque tornam a
figura de Liebknecht inesquecível para o proletariado mundial.
E ao seu lado está Rosa, uma guerreira do
proletariado mundial igual a ele em espírito.Suas mortes trágicas em suas posições
de combate casam seus nomes com uma ligação especial, eternamente
inquebrável.De agora em diante serão sempre nomeados em conjunto: Karl e Rosa,
Liebknecht e Luxemburgo!
Você sabe sobre o que as lendas de santos e suas
vidas eternas são baseadas?Sobre a necessidade do povo de preservar a memória
dos que ali estavam à sua frente e que os guiou de uma forma ou de outra; sobre
o esforço para imortalizar a personalidade dos líderes com a auréola de
santidade.Nós, camaradas, não precisamos de lendas, nem temos necessidade de
transformar os nossos heróis em santos.A realidade na qual estamos vivendo
agora é suficiente para nós, porque essa realidade é, em si, lendária.Está
despertando forças milagrosas no espírito das massas e de seus líderes, está
criando figuras magníficas que se elevam perante toda a humanidade.
Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo são tais
figuras eternas.Estamos conscientes de sua presença entre nós com uma
proximidade chocante, quase física.Nesta hora trágica estamos unidos em
espírito com os melhores operários da Alemanha e do mundo inteiro que receberam
esta notícia com tristeza e luto.Aqui nós experimentamos a agudeza e a amargura
do golpe da mesma forma que nossos irmãos alemães.Somos internacionalistas em
nossa tristeza e luto da mesma forma que somos em todas as nossas lutas.
Para nós Liebknecht não era somente um líder
alemão.Para nós, Rosa Luxemburg não era apenas uma socialista polonesa que
estava à frente dos operários alemães.Não, eles são familiares do proletariado
mundial e todos nós estamos ligados a eles com um elo espiritual
indissolúvel.Até seu último suspiro eles não pertenciam a uma nação, mas à
Internacional!
Para a informação dos trabalhadores russos
deve-se dizer que Liebknecht e Rosa Luxemburgo estiveram especialmente próximos
do proletariado revolucionário russo em seus momentos mais difíceis.A casa de
Liebknecht foi o quartel general dos exilados russos em Berlim.Quando tivemos
de levantar a voz de protesto no parlamento alemão ou na imprensa alemã contra
os serviços que os governantes alemães ofereciam à reação russa, acima de tudo
foi Karl Liebknecht que batia em todas as portas e em todos os crânios,
incluindo oscrânios de Scheidemann e Ebert para forçá-los a protestar contra os
crimes do governo alemão.E constantemente buscávamos Liebknecht quando qualquer
um dos nossos camaradas precisava de apoio material.Liebknecht foi incansável
como a Cruz Vermelha da revolução russa.
No congresso da social-democracia alemã em
Jena ao qual já me referi, onde eu estava presente como visitante, fui
convidado pelo Presidium por iniciativa de Liebknecht para falar sobre a
resolução proposta pelo próprio Liebknecht condenando a violência e a
brutalidadedo governo czarista na Finlândia.Com a maior diligência Liebknecht
preparou o seu próprio discurso com a coleta de fatos e números e questionou-me
em detalhes sobre as relações comerciais entre a Rússia czarista e a
Finlândia.Mas antes que o assunto chegasse à pauta (eu falaria depois de Liebknecht)
um telegrama sobre o assassinato de Stolypin em Kiev foi recebido.Este
telegrama produziu uma grande impressão no congresso.A primeira questão que
surgiu entre a liderança era: seria adequado para um revolucionário russo falar
em um congresso alemão ao mesmo tempo em que outros revolucionários russos
assassinavam o primeiro-ministro russo?Este pensamento abateu-se sobre o
próprio Bebel: o velho, que pensava bem à frente dos outros membros do Comitê
Central, não gostava de nenhuma complicação "desnecessária". Ele
então me procurou e perguntou-me: "O
que significa o assassinato?Qual partido poderia ser responsável por isso? Você não acha que, nestas condições, você
iria atrair a atenção da polícia alemã se você falar?". “Você tem medo que o meu discurso possa
criar algumas dificuldades?" Eu
perguntei ao velho com cautela."Sim", respondeu Bebel, "eu admito que eu preferiria
se você não falasse". "Claro", respondi, "nesse caso não pode
haver nenhuma dúvida da minha fala." E nisto nos separamos.
Um minuto depois, Liebknecht, literalmente,
veio correndo até mim.Ele estava agitado além da medida."É verdade que
eles propuseram a você não falar?", ele
me perguntou."Sim", eu
respondi, "acabo de resolver este assunto com Bebel". "E você concordou?" "Como eu não poderia
concordar", eu respondi
justificando a mim mesmo, "vendo que eu não sou mestre aqui, mas um
visitante.""Este é um ato ultrajante de nossa mesa, repugnante, um
escândalo inédito, uma covardia miserável!" etc., etc. Liebknecht deu vazão à sua
indignação no seu discurso onde ele atacou sem piedade o governo czarista,
desafiando as advertências dos membros da mesa que insistiram com ele para não
criar complicações "desnecessárias" na forma de ofender Sua Majestade
czarista.
Desde os anos de sua juventude Rosa Luxemburgo
esteva à frente dos social-democratas poloneses que agora, juntamente com o
chamado "Lewica", ou seja, a fração revolucionária do Partido
Socialista Polaco, uniram-se para formar o Partido Comunista.Rosa Luxemburgo
falava russo lindamente, conhecia a literatura russa profundamente, seguia a
vida política russa cotidianamente, estava ligada por laços estreitos com os
revolucionários russos e minuciosamente esclarecia os passos revolucionários do
proletariado russo na imprensa alemã.Em sua segunda pátria, a Alemanha, Rosa
Luxemburgo, com seu talento característico, dominava à perfeição não só a
língua alemã, mas também tinha uma compreensão total da vida política alemã e
ocupava um dos lugares mais proeminentes no velho partido social-democrata de
Bebel. Lá, ela sempre se manteve na extrema esquerda.
Em 1905, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, no
sentido mais genuíno da palavra, viveram os acontecimentos da revolução
russa.Em 1905, Rosa Luxemburgo foi de Berlim a Varsóvia, não como uma polonesa,
mas como uma revolucionária.Liberada da prisão de Varsóvia sob fiança chegou
ilegalmente em Petrogrado em 1906, onde, sob um nome falso, ela visitou vários
de seus amigos na prisão.Retornando a Berlim, ela redobrou a luta contra o
oportunismo opondo-se a ele com o caminho e os métodos da revolução russa.
Juntamente com Rosa nós passamos pelos
infortúnios que caíram sobre a classe operária.Estou falando da falência
vergonhosa da II Internacional em agosto de 1914. Juntamente com ela levantamos
a bandeira da Terceira Internacional.E agora, camaradas, no trabalho que
estamos realizando dia após dia nos mantemos fiéis ao legado de Karl Liebknecht
e Rosa Luxemburgo.Se construirmos aqui na ainda fria e faminta Petrogrado o edifício
do Estado socialista, estaremos agindo no espírito de Liebknecht e Rosa
Luxemburgo; se nosso exército avançar no Front, ele estará defendendo com seu
sangue o legado de Liebknecht e Luxemburgo.Quão amargo é que ele não pôde
defendê-los também!
Na Alemanha não há Exército Vermelho como o
poder lá ainda está em mãos inimigas. Agora temos um exército e está crescendo
e se tornando mais forte.E antecipando-nos ao dia em que o exército do
proletariado alemão irá cerrar suas fileiras sob a bandeira de Karl e Rosa,
cada um de nós deve considerar seu dever chamar a atenção do nosso Exército
Vermelho para quem Liebknecht e Rosa Luxemburgo eram em defesa de que eles
morrerame porque sua memória deve permanecer sagrada para cada soldado vermelho
e para todos os operários e camponeses.
O golpe infligido sobre nós é
insuportavelmente pesado.Ainda assim, devemos olhar para frente não só com
esperança, mas também com certeza.Apesar do fato de que na Alemanha há hoje uma
onda de reação, não podemos perder nossa confiança por um minuto de que o
outubro vermelho está próximo.Os grandes lutadores não morreram em vão.Sua
morte será vingada. Suas lembranças receberão o que lhes é devido.Ao nos
referirmos a suas lembranças queridas, podemos dizer: "Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht,
vocês não estão mais no círculo da vida, mas vocês estão presentes entre nós,
sentimos seu poderoso espírito, vamos lutar sob vossa bandeira; nossas fileiras
de combate devemser cobertas por vossa grandeza moral!E cada um de nós jura,
quando à hora chegar e quando a revolução exigir, perecer sem tremer sob a
mesma bandeira pela qual vocês pereceram, amigos e camaradas de armas, Rosa
Luxemburg e Karl Liebknecht!"
Fonte: Political Profiles, arquivos de 1919
Tradução: Marcos Margarido
Fonte: http://www.litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=2940:a-93-anos-do-assassinato-de-rosa-luxemburgo-e-karl-liebknecht&catid=41:mundo
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